ATENÇÃO: Informamos que o artigo abaixo pode despertar gatilhos, e por conter descrições gráficas de crimes violentos, pode não ser indicado para menores de 18 anos. Prossiga com cautela.
É bastante comum dizer que a arte espelha a realidade. Essa máxima com certeza se estende ao campo do cinema, no qual vemos diversas obras das mais variadas naturezas temáticas drenando inspirações em eventos e pessoas reais. Naturalmente, o terror é um dos gêneros mais conhecidos por propagar esse tipo de ideia em seus filmes, afinal, todo mundo já ficou assustado com um filme que começa com o famoso pleonasmo ”baseado em fatos reais” e se viu impelido a consultar a internet para verificar. Claro que em em tempos de menor acessibilidade, dormir com medo era a maior certeza mesmo.
Notavelmente, um dos primeiros filmes a popularizar esse clichê foi O Massacre da Serra Elétrica (1973) que foi amplamente censurado durante seu lançamento devido ao alto grau de realismo e crueza das filmagens. No entanto, apesar dos eventos exibidos no filme serem evidentemente ficção, a popularidade desse filme ‘baseado em fatos reais” não se amenizou com o tempo, uma vez que os criadores confirmaram múltiplas vezes as inspirações reais chocantes para a história do título.
Este artigo vai explorar a história de um dos crimes mais bizarros dos anais da história recente, o caso de Ed Gein, além de entender como esse assassino inspirou a criação do personagem Leatherface e suas principais características.
Edward Theodore Gein nasceu em La Crosse, Wisconsin, em 1906, sendo o segundo filho de George Philip Gein (1873-1940) e Augusta Wilhelmine Gein (1878-1945). O pai de Ed era alcoólatra, instável e não conseguia manter um emprego fixo, enquanto sua mãe era uma cristã fanática e fundamentalista. Augusta nutria um profundo ressentimento por seu marido, por considerá-lo uma vergonha e incapaz de exercer seu papel como pai de família.
A família Gein vivia em uma casa isolada de fazenda seguindo uma rotina tediosa e especialmente rígida para com as crianças: Ed e seu irmão Henry só podiam sair para a escola, eram proibidos de ter amigos e formar vínculos com qualquer pessoa fora da família, e além disso, os garotos eram forçados diariamente a ouvir uma sequência de sermões e pregações religiosas realizados por Augusta. As pregações da mãe quase sempre giravam em torno de textos do velho testamento da Bíblia, sempre falando sobre castigos de Deus, enfatizando que as mulheres são instrumentos do demônio, que o sexo é pecado e o mundo é um lugar imoral e corrupto.
As longas horas de condicionamento mental sob essas ideias junto com a atitude controladora da mãe causaram sequelas profundas na mentalidade de Ed: ele não conseguia socializar, sofria bullying na escola e nutria dilemas com a própria sexualidade, além de ter desenvolvido uma profunda dependência emocional por Augusta.
A vida da família foi profundamente transformada com a morte do pai de Ed em função de infarto, algo que fez com que ele e o irmão já jovens tivessem de arranjar diversos empregos e bicos para manter a casa. Durante um incêndio na vegetação que cercava a propriedade da família, Henry foi encontrado morto; apesar da polícia ter concluído que ele morreu de asfixia, alguns biógrafos escrevem que o rapaz foi encontrado com ferimentos na cabeça e nutrem fortes suspeitas de que Ed possa ter assassinado o irmão pelo fato deste estar cansado da influência da mãe e falar mal dela constantemente.
Tragicamente, Augusta também veio a falecer, visto que ela teve um ataque cardíaco logo após o falecimento de Henry, ficando paralisada e dependendo dos cuidados do filho. Após a morte da mulher, a insanidade de Ed se intensificou dramaticamente, de forma que ele começou a adentrar em um completo isolamento. Ele passou a ler livros sobre atrocidades nazistas, sobre manejo de cadáveres e histórias de canibalismo, por exemplo. Ed desenvolveu uma afinidade em particular pela história de Ilse Koch, a “Bruxa de Buchenwald”, uma oficial nazista que torturava prisioneiros e colecionava pedaços arrancados de pele com tatuagens.
Essas histórias mórbidas fomentaram todas as fantasias macabras na mente de Ed, que passou a realizar diversas visitas ao cemitério local para abrir túmulos de mulheres e retirar partes específicas como crânios, toda a pele do torso, rostos humanos, mãos, seios e até órgãos reprodutivos. Essas partes todas forma reaproveitadas para decoração de móveis, construção de objetos, utensílios, máscaras de rosto humano, aventais de pele e até mesmo uma fantasia completa feita com a pele de uma mulher que Ed fez para vestir e encarnar a personalidade de sua mãe.
Naturalmente, a população de Plainfield estava completamente alheia a essas atividades obscuras que Ed executava na calada da noite; além do mais, ele tinha uma reputação razoavelmente boa, uma vez que ele era visto como um sujeito recluso e tímido, porém dócil, confiável e trabalhador. Por causa disso, Ed era muito conhecido por trabalhar de babá e se dar muito bem com crianças e jovens, de modo que ele chegou a mostrar para um garoto de 16 anos um coleção de “cabeças encolhidas” que ele disse ter recebido de presente de um primo que serviu nas Filipinas durante a Segunda Guerra Mundial. Essas ”cabeças” na verdade foram descobertas pela polícia como sendo uma série de rostos humanos de cadáveres que Ed Gein vestia como máscaras na calada da noite.
Além dos túmulos violados, Ed Gein foi confirmado como o assassino de duas mulheres idosas: Mary Hogan, atendente de um bar, e Bernice Worden, dona de uma loja de ferragens, ambas assassinadas com disparos de rifle. A polícia chegou em Ed Gein após o xerife Frank Worden (filho da vítima) entrar na loja da mãe na manhã de 16 de novembro de 1957 e se deparar com um rastro de sangue e o caixa vazio. Após ter se recordado que Gein havia estado na loja na noite anterior para tratar sobre a compra de um anti-congelante, ele verificou que último recibo de vendas preenchido por Worden teria sido referente a esse produto, acionando imediatamente a polícia para uma busca na casa de Ed Gein.
Ao chegar na casa de fazenda do assassino durante a noite, os policiais se encontraram em uma situação digna de filmes de terror: a propriedade estava em um estado deplorável, não havia luz elétrica e tinha muito lixo e sujeira por toda a parte. O xerife Art Schley estava realizando buscas em uma cabana escura anexa à residência quando esbarrou em alguma coisa pendurada, e ao direcionar sua lamparina para o objeto, ele se deparou com uma carcaça pendurada pelos tornozelos no teto. Imediatamente, lhe ocorreu que poderia ser um cervo, visto que estava na temporada de caça aos animais, mas ao inspecionar melhor, ele percebeu que se tratava de um corpo humano pendurado, decapitado e eviscerado como um cervo. Tratava-se de Bernice Worden em um estado irreconhecível.
A situação só piorou, uma vez que as buscas subsequentes realizadas pela polícia revelaram toda sorte de objetos, itens, ferramentas e roupas feitos por Ed com restos humanos de cadáveres; além disso, a cabeça de Mary Hogan foi encontrada em um cesto.
Ed Gein foi preso imediatamente e a comunidade local recebeu com horror a notícia dos crimes cometidos na ”casa da morte”. O xerife Art Schley, responsável por prender e interrogar Ed, ficou tão horrorizado e revoltado que chegou a agredir o assassino em interrogatório, inclusive, ele faleceu de ataque cardíaco antes do julgamento de Ed, levando alguns a acreditar que ele adoeceu de tão aterrorizado que ficou com o que viu dentro da casa.
Os crimes de Ed Gein foram mapeados em uma linha temporal que ia de 1947 até 1957. Ele foi diagnosticado como esquizofrênico e considerado insano em julgamento, sendo internado em um hospital para criminosos insanos, no qual ficou até seu falecimento em 1984, decorrente de uma insuficiência respiratória causada por um câncer de pulmão.
O caso de Ed Gein ganhou notoriedade nacional e serviu de inspiração para o diretor Tobe Hooper criar o personagem Leatherface em o Massacre da Serra Elétrica. No filme, Leatherface é retratado como um homem enorme que possui uma severa doença mental que o impede de falar e pensar normalmente, por conta disso, ele é completamente dependente de sua família de canibais insanos que o moldaram para ser um assassino brutal. Em entrevistas para a versão especial de DVD d’O Massacre da Serra Elétrica, o ator Gunnar Hansen, que viveu o personagem, chegou a dizer que ele não possuía capacidade de expressar seus sentimentos e pensamentos, por isso, ele utilizava as máscaras de pele humana no filme e agia de um jeito diferente com cada uma das máscaras.
Além das questões do filme mais abertamente inspiradas no caso de Ed Gein, como as máscaras, as decorações e mobílias com ossos e o canibalismo, a dinâmica familiar é um ponto central da obra, uma vez que é evidenciado no filme e nas falas dos produtores que Leatherface não mata por malícia, e sim por medo de tudo que vem do mundo externo à sua casa e seus parentes.
Durante o filme, é possível ver o personagem se desesperando ao ver pessoas estranhas entrando em sua casa; ele recebe castigos físicos de seu irmão mais velho e tem medo de ser punido por conta da presença dos jovens que só estavam ali buscando gasolina. Esse aspecto do condicionamento mental também foi muito presente na vida de Ed Gein. Como discutido no começo do artigo, Ed desenvolveu uma incapacidade severa de existir no mundo sem receber os ensinamentos de sua mãe, além disso, esses ensinamentos moldaram fortemente os seus conflitos sobre sexualidade e sua forma distorcida e mórbida de se conectar com o feminino após a morte da mãe.
Essa questão de gênero também existe no filme, quando é possível ver uma sequência em que Leatherface usa a máscara de uma mulher idosa para executar tarefas domésticas, a mesma cena em que ele é fisicamente castigado pelo irmão mais velho. A crítica de cinema e especialista em representações de gênero e violência sexual no cinema, Alexandra Heller-Nichollas, entende que essa parte do filme representa Leatherface deixando de ser o ”Executor” da família e se assumindo no papel de uma ”figura feminina alvo de abusos domésticos masculinos”.
Isso é reforçado pelo fato de que o personagem usa uma máscara especificamente masculina para matar os jovens durante o filme e troca para essa máscara feminina ao executar os afazeres domésticos e expor seu lado mais vulnerável e propenso ao abuso dentro daquela estrutura de uma família tradicional texana completamente composta por homens. Heller-Nicholas também nota que isso pode ser interpretado como um escárnio às noções de família tradicional, expondo os aspectos mais problemáticos dessa ideia de uma forma completamente distorcida e depravada.
Em conclusão, o caso de Ed Gein foi uma das mais macabras, hediondas e lamentáveis histórias criminais recentes; esse caso marcou completamente o imaginário das pessoas e já se encontra firmemente consolidado no mundo da ficção por meio das obras de terror que o tomaram como inspiração. Esse caso se tornou tão intrínseco ao imaginário relacionado ao true crime e aos filmes de terror que ele inspirou, que é impossível refletir sobre cada um desses fatores sem levar o outro em mente.
Alagoano, Redator do EvilHazard, fã do universo do Terror e apaixonado por Resident Evil