Recentemente, em função da segunda temporada da série ”Monstros” da Netflix, o caso dos irmãos Menendez voltou a ganhar notoriedade e espaço na internet. Parte por causa da extrema brutalidade do caso, parte por conta das polêmicas que foram abordadas dentro da série. Muitos usuários vêm repercutindo essa produção e o caso vai ganhando novas nuances.
O cerne do caso Menendez envolve uma série de dinâmicas complexas, trágicas e mórbidas, de modo que não é uma surpresa essa história ter sequestrado o imaginário das pessoas, ainda mais pelo fato do caso ainda estar em andamento.
Neste artigo, iremos abordar a história do caso dos irmãos Menendez e os motivos pelo quais esse caso ainda pode ganhar novos desdobramentos muito em breve.
José Menendez: Pai, empresário e predador
Para começar a entender esse caso, é preciso ir ao cerne de toda a questão: o pai e vítima dos próprios filhos, José Menendez. José nasceu em Cuba no ano de 1944, ele era filho de um jogador de futebol e uma atleta de natação, algo que influenciou demasiadamente suas visões sobre esporte, masculinidade e competitividade. A história de José sofreu uma drástica guinada durante a Revolução Cubana em 1959; logo após os revolucionários triunfarem sobre Fulgencio Batista e colocarem Fidel Castro no poder, José foi enviado de Cuba para os EUA aos 16 anos de idade, tendo que viver no sótão de um parente.
Após formar-se na Universidade Sul de Illinois, onde conheceu sua futura esposa, Marie Louise Anderson, conhecida como Kitty, ele foi trabalhar no ramo da contabilidade e dessa forma foi subindo no meio empresarial até passar a trabalhar com o ramo audiovisual, no qual fez muito dinheiro. Menendez chegou a trabalhar em gravadoras, sendo inclusive responsável por gerir o grupo musical latino Menudo.
Nesse momento, surge uma das principais controvérsias envolvendo José Menendez que estouraram após sua morte: a acusação de Roy Rosseló, um dos antigos membros do Menudo, de que José teria abusado sexualmente dele aos 14 anos. A acusação de Rosseló é uma das pautas que são até hoje sustentadas pela defesa de Erik e Lyle, pois isso corroboraria com as fortes indicações de que o casal Menendez teria perpetrado violências sexuais contra os filhos na infância (esse tópico será posteriormente abordado mais a fundo no artigo).
Os Irmãos
Joseph Lyle Menendez nasceu em 10 de janeiro de 1968; após o nascimento de Lyle, Kitty passou a se dedicar exclusivamente ao trabalho doméstico, uma vez que José já se encontrava em um contexto de ascensão econômica. Anos depois, em 27 de novembro de 1970, nasceu Erik Galen Menendez. Os dois meninos foram submetidos e condicionados desde a tenra idade a alcançar o ideal de masculinidade e sucesso que o pai pregava, ou seja: desenvolver para a vida uma mentalidade altamente competitiva orientada pelo ganho de resultados na prática esportiva.
Esse modelo de paternidade adotado por José causava intensos conflitos com os filhos. Era nítido que o pai desejava que os garotos conquistassem patamares de sucesso altamente elevados, algo que o levava a ser abusivo psicologicamente e bastante controlador. Apesar de parecer um modelo de família americana, o lar dos Menendez era altamente disfuncional, além dos flagrantes abusos psicológicos do pai com os filhos, ele também traía Kitty e brigava muito com a esposa, impulsionando a depressão e o vício em drogas da mulher.
A influência de José Menendez na vida dos filhos era estendida por todas as áreas da convivência dos jovens: o pai obrigava os garotos a praticarem tênis mesmo na chuva, no frio intenso ou quando estavam doentes. Além disso, Erik e Lyle relataram múltiplos abusos sexuais feitos por José, com o pai abusando de Lyle até cerca dos 8 anos, já Erik foi abusado até os 18 anos de idade.
Kitty teria também tido parte nos abusos, além de ter inicialmente censurado e castigado Lyle quando este tentou relatar os abusos. Essas acusações montam um corpo robusto de evidências contra José, uma vez que há o testemunho dos filhos, de parentes e o próprio Roy Rosseló relatando esse tipo de experiência com Menendez. Os filhos permaneceram a vida toda sob o controle intenso e obedecendo as vontades do pai, entretanto, no momento que a família se muda para a Califórnia em 1986, Erik e Lyle já adolescentes passam a assumir comportamentos e atitudes rebeldes.
Após graduar-se no colégio de Beverly Hills, Lyle passou a frequentar a Faculdade de Princeton, ele continuou a se destacar como jogador tênis já durante o primeiro semestre, entretanto, acabou suspenso por causa de plágio. Ele conseguiu retomar o curso em 1989, porém desistiu novamente logo em seguida. Erik estava se dedicando ao tênis com o objetivo de conseguir uma bolsa para a Universidade da Califórnia, algo que não se concretizou em decorrência dos assassinatos.
Como dito antes, os irmãos passaram a ter comportamentos de rebeldia e ingressar em práticas criminosas como roubo de joias e assaltos à residências. Erik e Lyle invadiam casas de outras famílias ricas da região e roubavam itens de valor, essas práticas foram descobertas pela polícia e fizeram com que o pai tivesse que desembolsar $11.000 para pagar as famílias lesadas financeiramente, além de pagar advogados e detetives para evitar que os filhos fossem presos. É nítido que os jovens não precisavam roubar nada para sobreviver, essas atitudes provavelmente foram motivadas por causar ódio ao pai, algo que estava funcionando e causando ainda mais problemas dentro da casa dos Menendez.
Crimes
Em 18 de agosto de 1989, os irmãos já haviam se decidido sobre se livrar dos pais de uma vez por todas. Erik e Lyle visitaram diversas lojas de armas para tentar adquirir pistolas, isso foi impossibilitado por causa de um problema na carta de motorista de Lyle, então eles decidiram adquirir duas escopetas Mossberg calibre 12 em outra loja usando a carteira de motorista roubada de um amigo. Os crimes foram concretizados dois dias depois na noite de 20 de agosto de 1989, naquela ocasião, José e Kitty estavam sentados assistindo televisão quando Erik e Lyle chegaram por trás e efetuaram 6 disparos contra José, que morreu primeiro com um tiro fatal na nuca. Kitty recebeu dez tiros no total, os irmãos recarregaram as armas antes de efetuar o tiro fatal na lateral do rosto da mãe que se arrastava tentando escapar.
Os irmãos se livraram das armas e das roupas sujas de sangue e deram sequência à próxima etapa do crime: a construção de álibis. Em primeiro lugar, eles foram ao cinema comprar ingressos para o filme Batman (de Tim Burton) porém temeram que o horário marcado nos ingressos poderia entregar uma inconsistência na narrativa para a polícia. Eles foram então para um festival nas proximidades e voltaram para casa horas depois, esperavam encontrar a polícia nas imediações mas eles ainda não haviam aparecido, então Lyle ligou aos prantos para o 911 reportando que os pais haviam sido mortos em sua residência por um assassino desconhecido.
Os investigadores e policias presentes na cena descreveram um cenário absolutamente brutal, sugerindo inclusive que José estava irreconhecível e sua cabeça foi quase que decapitada pela explosão do tiro. Não houve suspeitas sobre os irmãos e a polícia não se importou em verificar se eles tinham resíduos de pólvora no corpo. A hipótese inicial era de que o crime pudera ter sido obra do crime organizado pela brutalidade extrema e por conta de supostos negócios suspeitos de José.
Nos meses que se seguiram, os irmãos começaram a gastar muito dinheiro oriundo da fortuna do pai, estima-se que foram cerca de $700.000 antes de serem presos. Lyle comprou diversos empreendimentos como cafés e restaurantes, além de três Rolex e uma Porsche. Erik contratou um treinador de tênis em tempo integral e disputou diversos torneios em outros países. Os dois ainda fizeram diversas viagens caras para o Caribe e Londres, além de esbanjarem jantares suntuosos; eventualmente, os irmãos abandonaram a mansão em Beverly Hills onde os pais foram mortos e alugaram apartamentos.
Prisão
A polícia ainda estava investigando as mortes dos pais de Erik e Lyle durante os meses que se seguiram, eles começaram a ter suspeitas muito grandes por conta da quantidade de dinheiro que os irmãos estavam gastando. Para completar, Craig Cignarelli, um amigo de Erik do ensino médio, se reportou até as autoridades policiais para relatar que o amigo havia confessado os assassinatos dos pais. Além disso, Craig ainda mostrou um roteiro de 66 páginas que ele e Erik escreveram sobre dois irmãos que matam os pais ricos para colocar as mãos na fortuna do casal. A polícia tentou conseguir a confissão de Erik ao equipar Craig com uma escuta durante um jantar com o amigo, mas ao ser questionado sobre o crime, Erik negou a autoria.
O tropeço de Erik e Lyle no entanto já era inevitável, a peça crucial para a apreensão dos irmãos foi o psicólogo da dupla, Jerome Oziel. Erik confessou os assassinatos para o seu terapeuta, o que fez Oziel começar a gravar secretamente os atendimentos com os irmãos. Apesar do terapeuta estar gravando com o intuito de se proteger, as fitas foram levadas até a policia pela amante de Oziel, essa atitude foi tomada como uma vingança da mulher contra Oziel por causa do tratamento que ele a dava.
Lyle foi preso no dia 8 de março de 1990 e Erik se entregou para as autoridades três dias depois após retornar de uma viagem em Israel.
Julgamentos
Os primeiros julgamentos foram conduzidos entre os anos de 1993 e 1994, foram nessas audiências que os irmãos e suas testemunhas de defesa (incluindo parentes) trouxeram à tona os assédios e estupros perpetrados pelo pai que foi retratado como um controlador, perfeccionista cruel e pedófilo. Já a mãe foi dita como sendo conivente com os abusos e uma pessoa mentalmente instável viciada em álcool e drogas. A defesa de Erik e Lyle apresentou uma série de fotografias das genitálias dos irmãos que foram tiradas por José e comprovadamente armazenadas por Kitty, além de um primo ter testemunhado que ouviu de Erik na infância descrições detalhadas do que acontecia durante os estupros.
A promotoria alegou que não havia evidências de José teria tirado as fotos (apesar de Kitty as armazenar) e ainda houve o argumento criminoso, vil e torpe de que ”homens não podem ser estuprados por não terem o aparelho necessário para que isso ocorresse”. Essa audiência terminou em impasse: as juradas sugeriam homicídio culposo e os jurados defendiam a tese de homicídio em primeiro grau. Após um mês de deliberações, o julgamento foi anulado e remarcado.
No segundo julgamento, o júri desconsiderou as alegações de abuso sexual e objetivamente votaram pelas acusações de homicídio. Os irmãos foram condenados em duas acusações de homicídio em primeiro grau e conspiração para homicídio, sendo consumada a sentença de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
Novas evidências
De acordo com informações da CNN, em 2023, uma carta de Erik Menendez foi descoberta e utilizada pela defesa para tentar protocolar uma Habeas Corpus e pedir um novo julgamento. O conteúdo da carta endereçada a um primo dos irmãos chamado Andy Cano em 1988, foi revelado no último domingo (13) pelo promotor público de Los Angeles, George Gascón. O trecho seria a prova definitiva dos abusos de José, algo que se tivesse sido apresentado nos julgamentos anteriores, teria forçado o júri a não desconsiderar as alegações de abuso, segue o trecho em evidência:
“Eu tenho tentado evitar o papai. Isso ainda acontece, Andy, mas está pior para mim agora”, diz a carta. “Eu nunca sei quando isso vai acontecer e está me deixando louco. Toda noite eu fico acordado pensando que ele pode entrar.” fonte: CNN.
Essa carta pode ser o grande divisor de águas nesse caso e evidenciar as complexidades, negligências e nuances desse caso que sequestrou o imaginário do público nas últimas semanas.
Em 19 de setembro de 2024, estreava no Netflix a série “Monsters: The Lyle and Erik Menendez Story” sendo a segunda temporada da série de televisão “Monster”. Os membros do elenco incluem Javier Bardem, Chloë Sevigny, Cooper Koch, Nicholas Alexander Chavez, Ari Graynor e Nathan Lane. A série conta o caso verídico dos irmãos que foram condenados em 1996 pelos assassinatos dos pais, José e Mary Louise ‘Kitty’ Menendez. Enquanto a acusação afirmava que eles estavam atrás da herança da família, os irmãos alegavam — e continuam firmes na sua versão até hoje, mesmo cumprindo prisão perpétua sem direito à liberdade condicional — que suas ações foram motivadas pelo medo, após uma vida inteira de abusos físicos, emocionais e sexuais cometidos pelos pais.
“Monsters: The Lyle and Erik Menendez Story” investiga esse caso icônico que chocou o mundo e aumentou a obsessão do público pelo gênero de crimes reais, enquanto provoca a reflexão: quem são os verdadeiros monstros?
Alagoano, Redator do EvilHazard, fã do universo do Terror e apaixonado por Resident Evil