No último sábado (01) o aclamado Godzilla Minus One chegou ao streaming no Brasil por meio da Netflix, com isso, todos os assinantes da plataforma agora podem assistir ao célebre longa de Takashi Yamazaki e vencedor da última edição do Oscar na categoria de Melhores Efeitos Visuais.
Naturalmente, ao pensar em filmes de Godzilla nos dias de hoje, as pessoas podem lembrar mais de filmes com brigas de monstros gigantes e cenas exageradas. Apesar disso também fazer parte tanto das produções japonesas quanto estadunidenses, Minus One é um mergulho nos aspectos mais sombrios, deprimentes e obscuros da franquia.
Com isso em mente, este artigo irá discorrer um pouco sobre os terrores dentro do filme que envolvem não só Godzilla, como também a sua presença, seu significado na obra e o contexto histórico catastrófico em que ele foi inserido dentro da narrativa.
O texto abaixo contém SPOILERS de Godzilla Minus One!
Sinopse:
Godzilla Minus One segue Koichi Shikishima (Ryûnosuke Kamiki), um piloto Kamikaze na Segunda Guerra Mundial que teve medo de executar sua missão suicida. Por conta disso, ele fingiu um defeito em seu avião e pousou na fictícia ilha Odo, que servia como posto para reparos de aeronaves militares. Durante a calada da noite, Koichi e os soldados da ilha foram atacados por uma enorme criatura similar a um dinossauro gigantesco que matou quase todos os soldados e destruiu todas as instalações do exército japonês na redondeza, e o pior de tudo: quando teve a chance de matar a criatura com o canhão do avião, Koichi paralisou de medo e não conseguiu evitar o morticínio que se seguiu.
No outro dia, Koichi acordou como um dos únicos sobreviventes junto a um mecânico chamado Sōsaku Tachibana (Munetaka Aoki) que o culpou de forma amarga pela morte dos seus companheiros, até que os dois foram resgatados e recolhidos por uma embarcação do exército japonês rumo a Tóquio.
Ao chegar em Tóquio, Koichi é recebido como um desonrado por não ter morrido na guerra, além disso, sua família foi totalmente morta nos bombardeios de Tóquio e seu bairro ficou destruído. Junto a outra sobrevivente chamada Noriko Oishi (Minami Hamabe), Koichi começa a reconstruir sua vida aos poucos, lidando com a culpa e os traumas da guerra, enquanto consegue um novo trabalho desarmando minas do exército no oceano, e faz novos e fiéis amigos.
Os anos se passam, e quando Koichi pensa que sua vida estava finalmente melhorando, ele descobre que a criatura que assombra seus pesadelos voltou ainda maior e mais forte depois dos testes com a bomba atômica no atol do bikini. Nesse contexto, o Japão estava arrasado depois de Hiroshima e Nagasaki e o governo japonês não pode fazer manobras militares para atacar o monstro sob risco de despertar tensões com os EUA, que por sua vez não pode ajudar pois estavam mais preocupados com os soviéticos. Dessa forma, cabe a Koichi, seus amigos e a uma iniciativa popular de veteranos da segunda guerra encontrar formas de matar o monstro.
O que torna o filme realmente assustador?
Sem dúvida, a figura de Godzilla no filme em todas as suas cenas causa muita tensão. Ao contrário dos filmes em que ele aparece como um herói, vemos uma criatura nitidamente maligna, e claro, existem muitos planos pelo ponto de vista das pessoas nas ruas sendo esmagadas enquanto a cidade é reduzida a escombros. O filme faz um excelente trabalho construindo os personagens humanos, por isso, existe tanta apreensão quando Godzilla está por perto e os personagens estão correndo risco.
O que constrói o terror desse filme, no entanto, é ver toda a miséria da cidade após os bombardeios e o drama dos personagens com suas cicatrizes físicas e mentais por causa da guerra, sendo assim, o personagem mais explorado nesse sentido é o protagonista. Koichi é um homem extremamente traumatizado pelos eventos na ilha Odo, além disso, ele carrega luto pela morte dos seus pais e uma imensa desonra por não ter cumprido sua missão como Kamikaze, fardo que é agravado pela sua incapacidade de ter evitado a morte dos soldados na ilha. O filme oferece vários vislumbres sobre esses traumas por meio de pesadelos, atitudes e o seu medo de desenvolver vínculos com Noriko.
Entretanto, a obra não nos permite esquecer que a miséria interna de Koichi é algo que seus amigos e conterrâneos também vivenciam diariamente, afinal, muitos deles eram soldados na guerra e ter que lutar contra Godzilla é como retornar a todas as piores memórias, inseguranças e dores causadas pela guerra. Tudo isso faz com que o monstro ganhe toda uma nova gama de significados, seja como a personificação da bomba, o maior horror que o Japão havia visto até então, ou mesmo como um demônio, uma criatura infernal que personifica todos os conflitos e medos dos personagens.
Tudo isso se traduz muito na relação entre Koichi e Godzilla, a impotência de Koichi diante daquele colosso invencível que tirou tantas vidas, atormentou seu passado, e agora ameaçava seu presente e futuro. De certo modo, Koichi era como um mortal revoltado contra um deus: impotente diante de uma força imparável, vingativa e odiosa gerada pela natureza, deturpada pela humanidade e usada para brutalizar os seus detratores. Daí surge um dos grandes terrores do filme: a frustração, os erros do passado que voltam para atormentar, os demônios que não conseguimos deixar enterrados.
Conclusão:
Godzilla Minus One é uma excelente história sobre humanidade, sobre tudo que nos coloca em posição de vulnerabilidade em relação ao mundo natural, catástrofes, tragédias e guerras. Nessa história, o monstro lendário do cinema é retratado em toda sua grandeza, personificando todos os sentimentos e dilemas humanos quando somos confrontados com tragédias grandes demais que se impõem sobre nossa espécie. O filme é extremamente emocional, intenso, profundo, complexo e essencialmente inspirador em muitos sentidos.
Alagoano, Redator do EvilHazard, fã do universo do Terror e apaixonado por Resident Evil